sexta-feira, 5 de março de 2010

Fontes.



Almoço com meus pais no Fontes, restaurante natural que é a cozinha daqui de casa. A dona, Luiza, é uma querida. Já me apoiou no meu primeiro espetáculo sem patrocínio: Aberrações. Fizemos quatro temporadas e acabamos no horário nobre do Teatro dos Grandes Atores, como convidados, sem pagar aluguel. Luiza é mulher sensível, acabou se tornando amiga da família.

Bom, voltando ao almoço de hoje, meu prato é colorido e saudável: torta de bacalhau com catupiry sobre massa feita com trigo integral, e uma mistura de saladas. Lá, eles servem cada iguaria num potinho japonês. Tudo vem separado. Quando eu chego, já reservam um prato branco, grande, raso, porque sabem que prefiro assim. Gosto de misturar as cores, os sabores, de desenhar a disposição de cada elemento no tal prato/tela branca. O garfo e a faca bailam melhor num na linha reta. A faca fica desconfortável em potinhos côncavos.

Já ouvi vários comentários a respeito do meu comportamento: " Como você tira o máximo de prazer no que as coisas podem oferecer!" ou então " Que chata, fresca!" ou "Sabe que ficou bom assim, boa idéia!", ou "Vai inventar o quê, agora?". Resumindo, na vida ha duas opções: seguir o fluxo sem alarde, ou revolucionar.

Seguindo o fluxo somos moléculas sem força própria, o nosso movimento é gerado por potentes forças externas. Se andamos contra o fluxo, esbarramos, incomodamos, chamamos atenção pela nova possibilidade, ou pelo simplesmente infortúnio que causamos.

Ha que se estar preparado. Teve um Cara assim que acabou crucificado. Só que ele tinha o poder da ressurreição. E, nós? A gente morre e pronto. Mas sem extremismos, temos mesmo que ter tamanha força, não só para movimentar os nossos próprios motores, mas para continuar o traçado mesmo com os nossos pedaços caídos pelo meio do caminho. ha que se ter a força de sobrevivência de um cacto, ou de um camelo que resiste no deserto.

Apesar de tudo, de estar na "casa" de Luiza, que já foi tão parceira, estava um tanto entristecida. Recebi a notícia negativa de um apoio cultural importante. Me geraria um bom salário indireto. Antes de sair para o almoço, agradeci por e-mail ao menos a atenção que me deram. Não tive medo de dizer que ficava muito triste em não frequentar mais aquela academia, de deixar minha turma e meus professores queridos.

Eles responderam então se 20% de desconto não resolveria? Reexpliquei pela décima vez: Eu tenho site, estou lançando livro, cd. Sei que consigo , como já consegui outras vezes, um apoio para atividade física. Resumo: ficaram sem mim, e sem a divulgação do nome deles. Se aceitassem o apoio, não receberiam o valor da minha mensalidade, mas estariam envolvidos em projetos inovadores, com qualidade crítica comprovada. E tendo muito a ver com a propria imagem que academia quer passar. E teriam também a minha frequencia buscando sempre a simpatia e a agregação.

Daí me lembrei que vi a logomarca desta academia apoiando um stand up comedy , que não paga manutenção de cenário , figurino, e que se apresenta todos os dias em vários teatros da cidade, justamente por não terem que transportar nada.

Não vi ainda o show, sei que é bom pelos nomes envolvidos, e porque acompanhei a crítica. O fato é que, os humoristas estão com os bolsos cheios de dinheiro, comprando apartamento e etc. Eles não precisam desse apoio. Eu preciso. Sei que minhas obras são inovadoras, não sou tão conhecida, mas já mostrei qualidade. Eu preciso justamente agora desse apoio, nesse momento em que ainda estou investindo.

Não gostaria que os tais humoristas NÃO tivessem o apoio. Inveja de forma alguma! Mas gostaria que houvesse espaço também pra quem precisa e demonstra o valor e possibilidade de sucesso com suas obras. Gostaria que houvesse espaço para quem já mostrou que "promete".

Minha mãe, muito sábia, me cita um trecho bíblico: " Quem muito tem, muito será dado. Quem pouco tem , até o pouco lhe será retirado." Daí eu pensei que isso só fazia sentido em se tratando de amor. Quem muito tem amor, dá amor, e recebe em dobro. Faz sentido, não? Mas a vida é muito mais dolorida do que isso. É fato:
O famoso fica rico e não paga por nada. Não se trata de amor, aqui, no caso.

Fico pensando que talvez ela tenha se enganado no provérbio, versículo, ou o que seja: tenho na memória essa construção: "A quem muito será dado, muito será cobrado"

Se for assim, estou bem, pois ofereço cada gota de sangue minha ao leitor, à platéia, aos alunos.

Quanto a essas grandes empresas que apoiam pensando apenas em reverter a fama para si próprias...bom, desnecessário concluir.

Tóca o telefone. É uma das minhas apoiadoras: Malu, do Salão de Beleza (ainda sem nome definido). Ela me convida para o coquetel de inauguração. Conversamos animadas, e já criamos um evento de poesia para as suas clientes: No dia que fechar o estabelecimento nas segundas-feiras, ao menos uma vez por mês, me reunirei com as clientes no local onde elas costumam se embelezar e faremos uma tarde dedicada a beleza, sim. Mas a beleza das letras, dos sentimentos, da poesia. Rapidamente pensei numa dinâmica que vai deixá-las bem confortáveis.

É, Malu, não sei a medida de nada. O que é pouco ou muito. Mas estamos trocando bastante. E lindamente.

A tristeza vai embora, até porque escrevendo sobre o meu almoço me lembrei de Luiza, dona do Fontes, a primeira a acreditar, e a continuar acreditando. Luiza da fonte de confiança.

Um comentário:

Anônimo disse...

O que vc escreve me faz pensar. Me divirto também. bom ter você. Não posso dizer quem sou, pq daí vc não vai entender nada...é porque te admiro muitíssimo, e estamos brigados. Culpa minha. Mas nunca vou assumir isso. Você sabe quem eu sou. Pronto! Assumi! Aprendi a antítese contigo. Muito amor por você!