terça-feira, 15 de março de 2011

Dia Internacional da Mulher no último dia de Carnaval

Começo o dia recebendo agrados, delicadezas no facebook vindas daquelas pessoas sempre esmeradamente atenciosas. Não são exatamente meus amigos de verdade. Recebo mimos de pessoas educadas, simplesmente conectadas por afinidades sejam lá quais forem . Curiosamente, não as recebo de homens que são, ou foram de alguma forma importantes pra mim. Infelizmente. Mas recebo o “não recebimento” sem rancor algum. Apenas sinto um princípio de desmotivação que logo se transformará - seguindo minha natureza lúdica diante dos desencantos.
Depois me lembro que é o último dia de carnaval e que, acostumada com a idéia da folia, e absolutamente motivada por essa desmotivação, resolvo finalmente brincar. Decido então, sacar a fantasia de anjo do armário (do figurino de Aberrações, espetáculo que dirigi em quatro montagens.) Meus cabelos, que estão novamente cacheados após uma aventura pelas escovas marroquinas, podem criar veracidade na composição da minha personagem carnavalesca. Usamos as fantasias para revelar nosso estado de espírito ou desejos mais recônditos. As máscaras ajudam a resvalar o que está escondido atrás das nossas máscaras diárias que são nossos próprios rostos, representando a identidade natural e também a assumida diante de uma sociedade. Resumidamente: Em tempos de Carnaval, no meu corpo me visto com o meu desejo. Na minha face, escondo quem sou para que meu desejo possa tomar conta de mim.
Que desejo tenho ao me fantasiar de anjo? Estar no paraíso? Felicidade tranqüila? Proximidade com Deus? Ser percebida com candura, leveza? Significar LUZ para o outro? Ser o caminho, a guia até o céu, ponto mais alto? Revelar minha pureza de propósitos?
Na sequencia, vou até os armários procurar a tal fantasia alada. Em cima da cama encontro a Isto É da semana. Na capa, seios femininos belíssimos e uma matéria que diz: “100% natural – Adeus silicone. Com uma nova técnica desenvolvida pela medicina, células-tronco e gordura do próprio corpo podem substituir próteses para reconstituir e aumentar seios e também rejuvenecer o rosto sem o uso de substâncias sintéticas.” Claro que me disperso e começo a folhear o periódico.
Antes de chegar a minha matéria destino, encontro as seguintes afirmaçõesnuma outra matéria: “ A cada 15 segundos uma mulher é agredida no Brasil”; “A violência doméstica é a maior causa de morte e invalidez de mulheres na faixa de 16 aos 44 anos” ; “10 mulheres morrem a cada dia, em razão da violência no Brasil. “; “70% dos agressores são seus maridos, companheiros ou ex-companheiros”. Sento na cama, com aquele olhar difuso e me dedico a minutos de reflexão. Lembro-me de uma outra pesquisa onde descobri que nós, mulheres brasileiras temos a segunda pior auto-estima do mundo, perdendo só para as japonesas. Logo nós, que somos consideradas as mais sensuais e de fala doce ...Pois é....e hoje é Dia Internacional da Mulher...
Penso que a responsabilidade é nossa. Sim, de perceber o contexto, e fazermos nós mesmas a revolução. Somos um país latino, machista, cuja escravatura com suas chicotadas acabaram há muito pouco tempo. Somos o país do Chacrinha que lançou a moda de musas calipígias e passamos a desnudar os caminhos e curvas indicando buracos de prazer com nossos biquínes-setas.
Que somos também, herdadamente, o país das mulheres objetificadas até por frutas ou plantas choronas a serem sugadas e largadas feito bagaço. Mulher-melancia, mulher-samambaia e Cia.
Cabe a nós perceber que a natureza masculina não muda porque é justamente a natureza. E que nosso poder está justamente em comandar a conquista. E isso significa preservar o tempo até o sexo. Dar tempo para que o homem nos veja, nos perceba, se afeiçoe antes do momento da entrega. Nessa tentativa de nos igualar, o que é impossível, nós nos perdemos. Não é questão de moral religiosa. É questão de se assumir que existem diferenças sim. Claro que podemos trabalhar com eficiência. Temos uma mulher Presidente. Isso fala por tudo. Conseguimos espaço no mercado. É fato.
Mas continuamos e ser mães, figura de laços até fisicamente mais fortes na infância e por toda educação. Então é preciso fazer uma revolução de discurso, e de atitude começando com nossos filhos e filhas, continuando com os nossos parceiros. Precisamos saber dizer não. Precisamos dar limites desde o início.
Ser firme não é coisa de mulher-macho, ao contrário. É coisa de mulher com útero. É preciso que nos demos o respeito. E que nosso valor não esta nas curvas talhadas a bisturi e sim na feminilidade perdida no tempo, e na luta feminista por mais espaço. Há erros de trajetória e de estratégia. Pausa para pensar. Vamos juntar as cinzas da véspera de uma quarta-feira e revisitar nossos mais preciosos sonhos e fantasias.
Acabo por me lembrar do escultor de areia que fabrica em plena Copacabana mulheres de biquíni arregaçadas como frangos de quatro, e cabeça de avestruz fincadas na areia.
Por instantes me dá vontade de mudar a fantasia. Queria ser hoje uma draga e destruir aquelas obras de desastre e não de arte. Mas respiro fundo e passa a ira. Volta a doçura feminina...Não, não é por aí. É por aqui, por essa crônica que minha luta diária começa.

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