sexta-feira, 19 de março de 2010

Oportunidade.



Acordei feliz. Era dia de ver Marcellinha, uma menina de 10 anos que pude conviver intensamente numa relação aluno/professor e também através de uma relação familiar, se assim posso dizer. Não a via ha mais de seis meses. Uma dos motivos que sempre me encantaram ao encontrá-la, é que me vejo nela, no que talvez eu tenha sido de melhor durante a minha infância: riso frouxo, pureza, mundo fantasioso, amor pelo palco, doçura, simpatia, entrega, e fé. Muita fé na vida. Hoje me sinto muito diferente, e tenho muita saudade de mim. Quando a vejo, não é só ela quem encontro, mas meu espelho no passado.

Já fazia tempo que só nos falávamos pela net. Acabou surgindo uma oportunidade profissional, e pude reencontrá-la, assim como sua avó, uma senhora jovem, extremamente talentosa. Queria muito que fosse Marcellinha a fazer esse trabalho. Sofria só de pensar que não pudesse tê-la. Todo artista, diretor, autor, sabe como é quando isso acontece. Ha casos que tem que ser AQUELA pessoa. Por isso a imensa felicidade: pela possibilidade, finalmente.


Eu as esperava na porta do estúdio para gravarmos as comentadas falas de Marcella para meu cd de Poesia. Ela faria a minha "voz" de menina. Tinha que ficar atenta, pois viriam de taxi, e eu deveria pagar a corrida. Andava pra lá e pra cá, procurando perceber a chegada delas, e ao mesmo tempo reconhecendo o terreno: procurava um restaurante onde pudéssemos almoçar, checava onde pudesse recarregar meu celular com créditos, tentava achar uma agência do meu banco para poder sacar, e pagar cachês e estúdio. Comprei o jornal e sentei no barzinho da esquina que dava uma boa visão de toda a rua.

Eis que me aparece um belo moreno. Diz ele: "Me desculpe, mas eu tenho que falar: blabla..." Bom, resumindo, ele falou sobre meus possíveis atributos femininos. Gostei do que ouvi, e da forma segura com que ele falou.

Pediu pra sentar. Eu permiti. Havia sido educado. Disse que me escreveria um poema. Achei graça, deixei o barco correr. Ele não sabia que eu estava lá justo para gravar um cd com os MEUS poemas. Então começou bastante concentrado. Iniciei, em seguida, uma conversa com uma senhora que estava na mesa ao lado. Ela ficou intrigadíssima com a sua abordagem, e também se surpreendeu com minha receptividade, embora também percebesse que ali havia certo jogo, e não exatamente a permissão para que se realizasse uma conquista barata.

Quando ele paralisou numa estrofe, pediu que eu silenciasse para que não lhe fugissem as idéias. Daí, ele começou a dizer em voz alta, os versos. Aos poucos fui ajudando. O rapaz ficou muito surpreso com a minha participação num poema que seria para me cortejar.
Minha ajuda parecia que tirava o seu chão. Inesperado demais para ele.
Depois foi a minha vez de sacar a caneta e escrever, tendo o tal moreno, e sua súbita abordagem como fonte de inspiração. Tudo ficava cada vez mais excitante. A senhorinha do lado, nem se preocupava em chegar atrasada no salão onde trabalhava.
Estava encantada com o jogo de versos.

Não escrevemos nada de absolutamente especial. Mas a poesia estava no encontro, no rompante, no bailado no escuro.

Mesmo assim, transcrevo aqui o que rabiscamos juntos. Nem sei bem o que foi idéia minha ou dele. Apenas sugeria uma palavra ou cortava todo um verso. Mas os poemas são dele. Com exceção de um, que como eu disse, fiz pra ele.

" Hoje te vi iluminada.
Linda, estava tão bela
Momento tão oportuno.
Já sinto saudade dela.
Agora o que vou fazer?
Sentir, sentar e escrever. "

Guilherme Holtz

O telefone toca. Elas me dizem que estão atrasadas, mas que chegariam em vinte minutos. Era esse o tempo que eu ainda tinha para estar na companhia do belo e destemido rapaz.

Ele não titubeou e quis aproveitar a oportunidade. Escreveu mais um pouco:

"Esperar hoje é meu tempo.
A natureza não espera.
Agora não é meu momento.
Vivo assim o meu encanto.
Tua imagem, meu lamento.
O meu desejo é tão somente
e eternamente o " por enquanto"

Guilherme Holtz

Ele estava muito extasiado, havíamos escrito juntos, e ainda escrevi um poema pra ele, que pra mim, era só um desconhecido que se conectou comigo de uma forma inusitada.

" Taxi não chega
Então chega ele.
Sorriso maroto,
barba no rosto.

Ele sente, pede, senta
escreve, ocupa a espera,
Anjo moreno da quimera.

Brota a simpatia
Versos transbordam.
Assim é a poesia"


Nisso o taxi chega. Revejo minha ex-futura sogra, minha ex-futura enteada Marcellinha, e sua mãe Vanessa. A última vez que eu as vi, não era ainda ex.
De repente elas me surpreendem em estado de cortejamento. Acharam curioso. Gostaram de me ver tão mais iluminada. Me despedi do rapaz. Ele me surpreendeu ainda com um auto-retrato que havia desenhado naquela madrugada, quando já seguia com as meninas para o estúdio.

Norminha iria cantar "Oportunidade" , canção que David Paiva, produtor do estúdio, me emprestou para colocar no meu cd. Presente do dois: ele cedendo os direitos, tocando o violão, e ela cantando. Curiosamente, Norma havia pedido muito a Deus que lhe desse uma nova oportunidade de cantar. Voz lindíssima, doce. "Talento encruado vira doença, pânico", disse ela.
Eis que surge para a Norma a oportunidade de gravar, cantando "Oportunidade".

Passamos o dia com muita alegria. Fizemos um ótimo trabalho, almoçamos bem, tiramos inúmeras fotos, e terminamos o encontro tomando o café da Bisa de Mercellinha, Vó Néia.

Não posso me esquecer que na saída do estúdio fui surpreendida pelo porteiro que me passou o contato do misterioso rapaz. Ele havia deixado enquanto eu já começava a ensaiar no oitavo andar do prédio. Quando recebi o bilhete com o tal contato, coloquei na bolsa, não sei depois onde foi parar.

Sei que dormi o sono dos anjos. Parecia que naquele dia, as portas do possível estavam escancaradas de tão abertas.

3 comentários:

Anônimo disse...

Oportunidade boa é a nossa de poder estar em contato com o seu blog maravilhoso!

Anônimo disse...

AMEI!

Anônimo disse...

como sempre me encantando com a magia do dia a dia!